Aluna evangélica é proibida de estudar por usar saia em escola
Um impasse envolvendo o uso de uniforme
está causando polêmica na escola estadual Caic Euclides da Cunha, em Rio
das Pedras, bairro do Rio de Janeiro. Com o sonho de se formar no
ensino médio, a diarista Ana Cristina Silva Torres, de 37 anos, contou
que, há cerca de duas semanas, foi impedida de frequentar as aulas do
curso de Educação Para Jovens e Adultos (EJA), à noite, porque a direção
da unidade proibiu o uso de saia para as alunas. Nos últimos dias, Ana
Cristina conseguiu voltar a estudar, mas ainda não sabe como sua
situação será resolvida. A Secretaria estadual de Educação informou que
existe um padrão de uniforme escolar na rede pública de ensino, composto
por calça, camisa e tênis, que deve ser respeitado por todos os alunos.
“Sou evangélica e a saia é a vestimenta
que eu costumo utilizar no meu dia a dia. Não é nem que a religião me
obrigue a só usar saia, mas é como eu me sinto bem. A direção da escola
foi trocada e o novo diretor disse para mim que não podia abrir mão do
(uso) do uniforme, e que iria cortar o meu nome da lista de alunos
matriculados no colégio. E ele nem quis conversar, ouvir meus
argumentos. Foi uma situação que me deixou muito magoada”, contou a
diarista.
Ana Cristina era analfabeta até seis
anos atrás, quando começou a estudar, pensando principalmente em poder
acompanhar os estudos das duas filhas. Depois de completar a
alfabetização, a diarista resolveu fazer o curso supletivo do ensino
fundamental e agora se esforça para conseguir o diploma do ensino médio.
“Essa decisão me pegou de surpresa. (O
diretor) falar que iria cortar meu nome da lista (dos matriculados) foi
um golpe num sonho que eu tenho desde criança, de conseguir me formar.
Os meus pais não me deixaram estudar. Hoje, é um objetivo não só meu
como também das minhas filhas. É como se tivessem jogado um balde de
água fria na gente”, acrescentou Ana Cristina.
Em nota, a secretaria argumentou que
“todas as escolas, (das redes) pública ou privada, têm que possuir
regras, como o uso do uniforme, para garantir a segurança de toda a
comunidade escolar. Os direitos e deveres são para todos,
independentemente da religião que professem”.
Sobre o caso específico da diarista, a
secretaria disse ainda que “caso o diretor abra exceção, terá que
liberar para todos, acabando com o uso do uniforme”. E concluiu
afirmando que a estudante foi a única pessoa que se recusou a frequentar
a escola com o padrão exigido de calça, camisa e tênis.
Comparação à proibição do uso de burca na França
Especialistas ouvidos pelo ‘Globo’ foram
unânimes em questionar a postura da escola e da secretaria. Consideram
que o exercício da manifestação religiosa, refletido na roupa, não pode
ser tolhido. O coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, Daniel Cara, compara a restrição de que a aluna foi vítima à
situação das estudantes muçulmanas na França, que foram proibidas de
usar a burca para ter acesso às escolas: “É uma luta entre o sistema de
ensino, querendo impor regras de comportamento, versus uma opção
religiosa. A restrição é equivocada, e tanto a identidade individual
quanto sua cidadania estão sendo desrespeitadas”.
O educador destaca que a escola é laica,
o que não significa que ela tenha que obrigar um padrão de
comportamento e impedir a manifestação religiosa.
O sociólogo e diretor do Iuperj, Geraldo
Tadeu Monteiro, chama atenção para semelhanças entre a situação carioca
e a polêmica nas escolas francesas, em que “uma norma religiosa colide
com uma outra norma, secular”:
“A estudante não está pedindo nada de
mais, ela não quer ficar nua, por exemplo. E a obediência às normas
religiosas não traz prejuízo aos outros alunos. Pelo que temos visto em
termos de decisão judicial nos últimos tempos e pela nossa cultura, é
possível que a Justiça se posicione favoravelmente à aluna”.
Ao ser informada pelo ‘Globo’ sobre a
polêmica, a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ ofereceu amparo
jurídico à estudante. O vice-presiente da comissão, Aderson Bussinger,
defende que, frente a uma situação de convicção religiosa “profunda”,
tem que haver flexibilidade. Diz que o caso deve ser tratado como algo
de caráter excepcional, para que ela use a roupa que quiser.
“Considerando o preceito da liberdade
religiosa como causa pétrea da nossa Constituição e uma questão
internacional de direitos humanos, a escola tem que se adequar a essa
realidade religiosa”.
Fonte: O Globo
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