
De
bíblias à prova d'água ou com capa com estampa de animal, passando por
agências de viagens, pelo mercado da moda e da música, as vendas de
produtos cristãos estão longe da acanhada taxa de crescimento da
economia do Brasil.
As estatísticas ainda são escassas, mas empresários do setor contam que o segmento vive uma fase favorável.
No
último levantamento publicado sobre o setor, em janeiro de 2013, o
professor de ciências do comportamento da ESPM (Escola Superior de
Propaganda e Marketing), Mário René, chegou a cifras relevantes. Segundo
a pesquisa, o mercado da fé movimenta R$ 12 bilhões por ano entre
shows, eventos, produtos, entre outros.
"As compras de produtos
relacionados à religião são totalmente impulsivas e emocionais" , diz o
pesquisador. "Esse mercado é pouco estudado e muito pouco monitorado,
então diversas informações escapam pelos dedos. "
EntretenimentoCom
crescimento de 60% no número de evangélicos nos últimos dez anos, está
cada vez mais lucrativo trabalhar para esse público. É apostando no
cenário de crescimento do público evangélico que Leo Ganem,
ex-presidente da Geo Eventos, das Organizações Globo, comemora o segundo
mês da Um Entretenimento. “Quando abrimos a empresa, queríamos dar foco
mas tínhamos receio de trabalhar exclusivamente com esse público, mas
estamos tão felizes com o resultado que alcançamos que vejo poucas
possibilidades de trabalho fora do mercado gospel”, afirma.
Ganem
está à frente da Expo-cristã, evento marcado para novembro deste ano. A
ideia é receber em São Paulo 120 mil pessoas, devolvendo a popularidade
e o prestígio ao evento, que corria o risco de ser engolido pela Feira
Internacional Cristã (FIC), produzido pela Geo Eventos, empresa que
encerrou as atividades em 2013. Entre os patrocinadores, nada menos que
Bradesco e Mapfre Seguros. “Já sabendo que a Geo seria fechada, saí de
lá e negociei um acordo de compra da marca para dar continuidade a esse
trabalho.”
O executivo não é evangélico e hoje trabalha
principalmente com feiras e gestão de talentos. Já conquistou a produção
do Renascer Praise, além dos cantores Eli Soares e Hadassah Perez, dois
expoentes da música jovem gospel, um na linha pop e a segunda na linha
eletrônica.
Entre os eventos, Ganem planeja um festival de
música. “O evangélico usa a música como principal meio de comunicação.
Estamos buscando eventos para colocar nossos artistas na vitrine”,
comenta. Para completar, o crescimento de evangélicos nos classes A e B,
segundo o executivo, deve também elevar o tíquete médio de investimento
em produtos evangélicos. “Eles já consomem muito livros e músicas.
Dificilmente abraçam o produto pirata, o que ajuda muito.”
Viagens de féLeva
entre dois e três meses para um cliente decidir pela compra de um
pacote de viagens – o investimento é alto e exige um chamado divino. Até
a assinatura dos contratos, a vendedora de pacotes de viagens Fernanda
Ariana de Almeida Alves procura manter contato. “Eu chamo os clientes
pelo nome, mando e-mail com mensagens bíblicas. Eles querem ser bem
tratados”, diz. “Vou alimentando esse sonho deles com a Terra Santa. Não
tem trabalho mais abençoado que viabilizar esse sonho.”

É
com esse nível de profissionalismo na sedução do cliente que opera a
agência da Terra Santa Viagens, localizada na Galeria Conde de Sarzedas,
no Centro de São Paulo, na rua de mesmo nome – apelidada de “Rua dos
Crentes” e “Crentolândia” por alguns dos frequentadores. A agência é uma
das operações da Terra Santa Operadora de Israel, empresa de turismo
com foco religioso.
Os destinos são diversos: de Israel até um
roteiro pelas Igrejas do Apocalipse e na Grécia. Fernanda vende pouco
menos de 500 pacotes por mês. A cada viagem que fecham para Israel, por
exemplo, levam entre 30 e 40 pessoas. “Nós temos muita concorrência, por
isso não chegamos a tantas pessoas”, diz. Um dos principais canais de
venda está nas mãos dos líderes religiosos – que são atendidos com um
carinho especial pela loja.
Anualmente, 20 pastores ganham a
oportunidade de fazer o roteiro em Israel pela metade do preço. “Nós
fazemos o preço de custo, conseguimos patrocínios para baratear o preço
das viagens”, conta Fernanda.
Os pacotes variam de US$ 3,2 mil –
nove dias em Israel – até US$ 5,4 mil, para o roteiro das Igrejas do
Apocalipse. Todas as viagens são acompanhadas de um guia local e outro
que sai do Brasil junto com o grupo, para evitar problemas com o idioma.
Os roteiros incluem passagens por pontos turísticos, mas principalmente
por lugares citados nos livros sagrados. “Você imagina a emoção de ir
aos mesmos lugares que estão na Bíblia? É indescritível”, diz Fernanda.
Fernanda
é da Assembleia de Deus. O dono da agência é judeu e também
proprietário da Caminhos Sagrados, voltada para o público católico. “A
gente sempre faz as viagens separados, eles têm muitas divergências”,
diz Fernanda.
Sem misturarA região
central de São Paulo, ao menos para os negócios, é ecumênica. Quem desce
a Conde de Sarzedas da rua Conselheiro Furtado na direção da baixada do
Glicério, possivelmente não enxergará uma só loja com imagens de
santos. São os cantores evangélicos que garantem o sucesso da barraca de
Jarisson dos Santos Silva, que não é evangélico, mas vende CDs e DVDs
piratas na “Rua dos Crentes”. “Não vendo nada de padre aqui, não. Não
pode misturar, eles não gostam”, diz.
O maior sucesso são os
discos de playback das músicas da cantora Aline Barros. “O pessoal quer
cantar nas igrejas, então os playbacks acabam saindo bastante”, conta. O
ambulante leva para casa pouco mais de R$ 60 por dia. “Dá para
sobreviver”, fala.
Vestindo a camisaPrimeira
dirigente da Igreja da Renovação Espiritual em Francisco Morato, Bete
Vieira Rodrigues andava pela região à procura de um presente para uma
aniversariante de sua comunidade.
Recém-mãe, a moça ganhará duas
camisetas – uma simples, estampada, e uma outra branca cravejada de
apliques metálicos com uma mensagem Cristã. “Eu gosto de vir aqui porque
sempre tem muito mais opção de tudo”, diz. A filha, Aparecida Luciana
da Silva, de 38 anos, faz companhia e divide os afazeres com a mãe, na
função de secretária da igreja. “Aqui é tudo metade do preço”, comemora
Luciana, que aproveitou a passagem pela galeria para comprar presentes
para o cunhado e o seu pastor.

Foi
a baiana Nara Keila Oliveira do Carmo, 35 anos, que atendeu a dupla.
Ela trabalha há nove meses na Teddy Camisetas, também na Galeria Conde
de Sarzedas. “Recebo muita gente aqui de fora de São Paulo que acaba
comprando no atacado para vender nos seus Estados de origem”, conta.
Frequentadora da Assembleia de Deus, Nara sempre esteve envolvida com o
mercado gospel. Antes trabalhava no Recanto dos Evangélicos, a RDE, uma
das lojas mais antigas do local.
Entre as camisetas, a maior loja
da Conde de Sarzedas, é a Cia dos Séculos. Com modelos mais atrativos
para a juventude, aproveita os trocadilhos com os temas jovens como o
Facebook e até os rótulos do bourbon Jack Daniels, que há muito tempo já
estampam camisetas do mundo do rock. “As vendas de 2013 as vendas foram
bem melhores que as do ano anterior”, diz Karina Paz dos Santos, de 26
anos, que trabalha na loja há seis. Todas as camisetas custam R$ 20 no
varejo e R$ 17,90 no atacado. “Vem muita gente de fora de São Paulo
buscar, mas o melhor do movimento é sempre na sexta e no sábado”
Há
36 anos na região, a RDE é uma referência. Ana Lúcia de Carvalho, de 52
anos, é gerente da loja onde trabalha há 34 anos. “A gente não costuma
contar quantas pessoas passam por aqui por dia, não. Tem dias que a
gente da conta, mas tem dias que é muito mais corrido”, diz. Lá, os CDs
de cantoras modernas como Bruna Karla fazem o maior sucesso.
“Antigamente tinha bem menos diversidade que hoje, mas os clássicos
ainda vendem muito”, conta a gerente da loja, que vende CDs de R$ 3 a R$
19. Entre os clássicos, o preferido de Ana – e da maior parte dos
clientes – é o cantor Ozéias de Paula. “Esse é o que mais vende entre os
antigos.”
Textos sagradosAs bíblias e
seus acessórios também chamam a atenção do público. Camila Causo, de 22
anos, é da Igreja Bíblica da Paz e há um ano e meio ajuda o pai na loja
no Galeria Conde de Sarzedas. Entre os produtos mais vendidos da loja
estão as capas para bíblias – em especial com as estampas “animal
print”. “Essa de tigre faz o maior sucesso com as mulheres”, diz Camila.

Os
livros administrativos também têm uma boa procura, especialmente para o
público de fora de São Paulo, que também frequenta a região e faz
compras por atacado. “Recebemos gente da Bahia, de Santa Catarina, do
Rio de Janeiro, e de vários outros lugares.”
Camila afirma que
agora, no segundo andar da galeria, já consegue faturar até R$ 8 mil
reais. “Quando estávamos no terceiro andar, o movimento era muito fraco,
não dava nem R$ 2 mil”, conta Camila. “Aqui é bem melhor, mas o aluguel
também é mais caro, mas compensa.” O espaço onde a está a loja da
família Causo custa R$ 2,5 mil ao mês – mais uma luva que, mesmo sendo
ilegal, chega a R$ 40 mil.
Católicos fora do focoEm
Campo Grande (MS), o Judah Shopping Gospel vende produtos religiosos,
mas o público evangélico é o que mais compra. Segundo Gerusa Maria de
Oliveira, sócia-proprietária da loja, são cerca de 200 pessoas que vão
pessoalmente às compras no local.
Apesar do nome, não se trata
exatamente de um shopping, mas de uma única loja que vende todo o tipo
de produto, como brinquedos. No entanto, Gerusa conta que as bíblias são
as mais procuradas. “É de longe o produto mais vendido por aqui,
seguido pelos CD”, afirma.
Desde que foi fundada, três anos
atrás, o fluxo de clientes quase triplicou. “Precisamos aumentar a
quantidade de produtos e também foi necessário contratar funcionários”,
explica Gerusa. Atualmente, trabalham cinco pessoas na loja – dois
funcionários, Gerusa, o marido e mais um familiar que ajuda nas contas.
Não
fosse pela Jornada Mundial da Juventude, que contou com a visita do
Papa Francisco I no ano passado – e injetou R$ 1,2 bilhão na economia
carioca –, o mercado de produtos católicos poderia ter tido um 2013 mais
tímido. A Expo-Católica aproveitou a visita do líder religioso para
impulsionar o número de visitantes. Foram seis dias de evento, com 500
mil pessoas. "Normalmente, recebemos umas 30 mil pessoas nos dias
abertos ao público. Esse volume todo não vai voltar a acontecer", diz
Kiara Castro e Castro, da Promocat, que promove o evento.
Para
Klara, o crescimento do mercado evangélico tem sido um fator de
profissionalização também dos produtos católicos. "Agora que os padres e
os músicos estão investindo em divulgação e no trabalho de marketing",
diz. A curva é tímida, mas de crescimento.
Bíblias em quedaQuem
não tem muito o que comemorar são os fabricantes de bíblias. Segundo o
maior fabricante do livro sagrado no País, a Sociedade Bíblica
Brasileira (SBB), o número de unidades distribuídas em 2013 deve ser
igual ao de 2012, de pouco mais de 7,4 milhões unidades – entre livros
entre católicos, evangélicos e ortodoxos. No ano passado, o faturamento
da empresa foi de R$ 88,8 milhões.
O secretário de Comunicação e
Ação Social da Sociedade Bíblica Brasileira (SBB), Erní Seibert, estima
que o País imprima hoje cerca de 12 milhões de bíblias por ano,
considerando também a produção de outras editoras – o equivalente a um
lvro a cada 2,6 segundos.
No entanto, essas são apenas
estimativas do executivo. Além de pouco profissionalizado, esse mercado
não tem muito controle sobre o que é produzido e distribuído. "Eu tento
fazer algum monitoramento, mas não adianta, essas empresas não têm esses
números – e as que têm não divulgam", afirma.
Fonte: Portal iG
0 Comentários